“Cachacinha” – Fiat 147 faz 40 anos como primeiro carro a etanol produzido em série no mundo
(*) Por João Euclides Salgado
o editor paticipou do evento a convite da FCA
o editor paticipou do evento a convite da FCA
Betim – MG - Como conta a história que já virou lenda e lenda viva, a Fiat Automóveis com sede em Betim reservou a data do dia 5 de julho para comemorar os 40 anos do lançamento em 1979 do primeiro Fiat 147 a etanol; um marco de pioneirismo da Fiat no mundo como a primeira montadora do mundo a produzir em série um motor movido a etanol; na época ainda chamado de álcool.
Por ser o pioneiro ganhou até o singelo apelido de “Cachacinha” por causa do cheiro da queima do combustível que saia do escapamento. A comemoração deste feito foi registrada nesta data de 2019 com um test drive exclusivo para a imprensa especializada no setor automotivo com duas unidades do 147 quarentão a etanol acelerando na pista de testes da fábrica de Betim (MG), exatamente como acontecia há 40 anos. Foi um experiência uníca; uma volta ao passado em um carro que parecia ter acabado de sair da linha de produção! A Fiat conseguiu um feito extraordinário; um exemplar raro que há época foi vendido para o Ministério da Fazenda, de Brasília, que hoje já faz parte do acervo de clássicos da Fiat. “É emocionante ver esse carro de perto não só pela importância de ser realmente o primeiro Fiat 147 a etanol, mas também por estar funcionando perfeitamente com todos os elementos de época originais, como partida a frio e afogador, além de preservar a tampa vermelha do motor e a pintura original, com direito alguns toques de batida de porta”, afirma Robson Cotta, gerente de Engenharia Experimental da Fiat Chrysler Automóveis (FCA).
Na Fiat desde o início da década de 1980, Cotta tem muitos motivos para se lembrar do “Cachacinha”. “O primeiro veículo zero-km que eu comprei foi um Fiat 147 a etanol, portanto, ver em 2019 esse exemplar do primeiro carro a álcool traz uma lembrança muito boa tanto do lado pessoal como do profissional, pelos desafios enfrentados para desenvolver e fazer os automóveis a álcool darem certo no país. Não só deu certo como se provou ser uma tecnologia brasileira, mineira e vencedora.”
“Vivíamos a era do Pró-Álcool, um programa nacional para combater a crise do petróleo”, lembra Robson Cotta. Ainda em 1976, em sua primeira participação no Salão do Automóvel de São Paulo, a Fiat expôs um protótipo do 147 a etanol com dezenas de milhares de quilômetros rodados. O ano seguinte foi dedicado ao aperfeiçoamento técnico do produto, além da produção de novas unidades que foram sendo submetidas a diversos testes. Em 1978, a Fiat desenvolveu o motor 1.3 de 62 cv de potência e 11,5 kgfm de torque que, durante os testes, acabou se mostrando mais adequado para o uso do etanol que o propulsor a gasolina de 1.050 cm3, até então utilizado no 147. No início daquele ano, três Fiat 147 a etanol foram entregues ao DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) para serem experimentados no policiamento da Ponte Rio-Niterói. Em setembro de 1978, um Fiat 147 100% a etanol realizou o que viria a ser o teste definitivo para criação do primeiro motor brasileiro a etanol: uma viagem de 12 dias e 6.800 quilômetros de extensão pelo país, percorrendo uma média superior a 500 km diários, três mil quilômetros por vias de terra e variações climáticas de mais de 30 graus.
Já nasceu vencendo com elas
No universo do automobilismo, um dos grandes feitos do Fiat 147 a etanol foi conquistado por mulheres. Considerado o primeiro grande rali internacional realizado no país, o Rallye Internacional do Brasil, disputado em 1979, viu o Fiat 147 Rallye #73 da dupla feminina Anna Cambiaghi (italiana) e Dulce Nilda Doege (brasileira) terminar em quarto lugar na classificação geral e ser o carro brasileiro de melhor classificação na prova que teve nada menos do que 2.200 km de percurso. Elas faziam parte do Team Aseptogyl/Panthères Roses/Concessionárias Fiat.
Entre os diferenciais, a taxa de compressão do motor 1.3 foi bastante elevada, de 7,5:1 da versão a gasolina para 11,2:1, e a carburação passou a trabalhar com mistura ar-combustível bem mais rica (com maior percentual de combustível). Essa era a razão de seu maior consumo – 30% mais alto. “O propulsor ficou com potência pouco maior que a do similar a gasolina, devido à necessidade de conter o consumo: 62 cv brutos contra 61. Por outro lado, a taxa de compressão mais alta favorecia o torque e, portanto, as retomadas e acelerações em baixa ou média rotação. Mas o número que realmente importava era o custo por quilômetro rodado, menos da metade da versão a gasolina, com os preços dos combustíveis na época”, destaca Cotta. O interesse do consumidor pelo Fiat 147 movido a etanol é confirmado pelos números de vendas. De 1979 a 1987, período em que foi comercializado no Brasil, foram comercializadas 120.516 unidades.
Desafios de uma nova tecnologia
Supervisor de Engenharia de Produto da FCA, Ronaldo Ávila, que na década de 1980 trabalhava no laboratório químico da montadora, acompanhou de perto os constantes aperfeiçoamentos do 147 a etanol. “Minha equipe analisava as peças dos motores. Era um desafio muito grande: no início havia oxidação. Para que viesse a funcionar com o etanol, o sistema de alimentação como um todo [tanque de combustível, bomba, tubulações, carburador, etc.] precisou ser mais robusto para suportar um combustível extremamente corrosivo”, conta.
Após muitos testes, a engenharia da Fiat encontrou uma solução para proteger as peças do motor: o uso de níquel químico. “Esse metal cria uma camada de proteção nos componentes, inibindo as ações do etanol”, explica Ávila. Outra providência foi a instalação de conjunto de escapamento aluminizado.
Por ser o pioneiro entre os carros a etanol, o Fiat 147 foi também o primeiro a encarar algumas características do combustível, como o baixo poder calorífico em relação à gasolina. Na prática, isso significava a lendária maior dificuldade para dar a partida no motor em dias frios. “Para resolver esse problema, a engenharia instalou o reservatório de partida a frio. Um botão no painel do carro aciona uma bombinha igual a do lavador do para-brisa e ela injeta no coletor de admissão uma quantidade de gasolina suficiente para dar a partida principalmente em baixas temperaturas”, detalha Cotta.
O legado do Fiat 147 a etanol
“Na época do 147, o sistema de injeção de combustível era o carburador, que de início não tinha um tratamento tão eficaz para conter a corrosão do etanol. Passamos, claro, a adotar materiais que protegessem o componente, mas ao mesmo tempo trabalhamos para atingir um outro nível tecnológico, que passaria pelo carburador duplo até chegar à injeção eletrônica”, lembra o supervisor da área de engenharia da Fiat, Ronaldo Ávila. Foi justamente a tecnologia do carburador duplo que, no início dos anos 1990 trouxe mais um feito histórico para a marca: o carro 1.0 mais rápido e veloz do mundo, o Uno Mille Brio.
A evolução do sistema de injeção melhorou a mistura de ar e combustível nos motores. Com isso, houve ganhos significativos de desempenho e, ao mesmo tempo, redução de consumo. Para Ronaldo Ávila, os carros atuais do grupo FCA são a fonte certa para quem deseja observar os avanços de tecnologia alcançados em 40 anos desde a estreia do Fiat 147 a etanol. “Eles são sinônimo de eficiência energética e contam com recursos extremamente modernos. O Fiat Toro e o Jeep Renegade, por exemplo, dispensam o tanquinho de partida a frio graças ao sistema de pré-aquecimento dos bicos injetores”.
Já João Irineu, Diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA, confirma a elevada importância do etanol para os futuros lançamentos da FCA. “O etanol foi, é e sempre será importante para nós. É estratégico para a companhia e tem papel muito importante na redução do efeito estufa. Começamos há 40 anos com um sistema de carburador e hoje trabalhamos no desenvolvimento de sistema turbo, injeção direta e uma série de outras alternativas que serão incorporadas ao motor a etanol para melhorar o desempenho em relação ao motor a gasolina”.